Paridade da OAB é referência para outras instituições, diz Milena Gama

Antes de pensar em atuar institucionalmente na OAB, Milena Gama já era chamada pelos colegas para tarefas em prol da defesa das prerrogativas. Isso ocorreu desde o início de sua carreira, em 2001, porque ela já tomava providências sempre que via uma violação ao exercício da profissão. Hoje secretária-geral adjunta da OAB Nacional, ela afirma ter orgulho do pioneirismo da entidade na adoção da paridade de gênero. “Somos referência para outras instituições”, explica.

Advogada criminalista do Rio Grande do Norte, Milena Gama hoje é secretária-geral adjunta da OAB Nacional. Ao lado de Sayury Otoni, secretária-geral, compõe a pioneira diretoria paritária da história da Ordem – conquista da militância das advogadas que passou a valer a partir das eleições de 2021 da entidade.

Ao ingressar no sistema OAB de seu Estado, Milena passou a se interessar pelos temas da ética e da disciplina. No Conselho Federal, coincidentemente ela agora é responsável pela coordenação dos trabalhos da Segunda Câmara, que julga e analisa recursos sobre ética e deveres dos advogados, infrações e sanções disciplinares, editando resoluções regulamentares ao Código de Ética e Disciplina.

Milena se formou na Universidade Potiguar, do Rio Grande do Norte. Depois, fez duas pós-graduações, uma na Escola Superior da Magistratura e a outra na Escola Superior do Ministério Público. Em seguida, fez uma especialização na LFG, especializada em cursos preparatórios e pós na área jurídica, e na Universidade Anhanguera – nesta última, se aprimorou na área criminal. A partir de então, começou a trabalhar com o irmão, também advogado.

“Na época, eu vi poucas mulheres de referência na área, porque a minha referência era meu tio. E, depois, foi o meu irmão, Flaviano Gama. E aí pensei: ‘Não é possível não ter alguém que seja uma referência’. Eu sei que o direito sempre foi considerado uma área masculina. E o criminal era considerado área masculina ao quadrado. Era bem mais propensa aos homens, por causa exatamente da matéria em si. Mas, desde o início, eu topei esse desafio”, conta.

Milena quis reescrever essa história e, assim, decidiu abrir o próprio escritório. Nas andanças entre fóruns, audiências, presídios, observou tratamentos diferenciados entre mulheres e homens. Ela lembra que, ao entrar em presídios do Rio Grande do Norte, era necessário passar por revistas que incluíam tirar o sapato pelo salto, que podia conter alguma parte de metal, e por vezes ser questionada sobre o modelo do sutiã, pelo aro de metal que alguns têm.

“A minha paixão pelo conceito da liberdade era maior do que esses ambientes insalubres”, afirma, acrescentando que, desde então, observava quão poucas eram as mulheres criminalistas. E assim era também na OAB. Colegas que acompanhavam sua atuação firme lhe perguntavam por que ela não participava de uma comissão de prerrogativas.

Milena, na época, pensava que a carreira seria construída apenas na advocacia e que não seria possível conciliar as duas funções. Mas que poderia atuar no âmbito individual, sempre que testemunhasse violações de prerrogativas. Um grupo de advogados criminalistas, conhecendo o talento de Milena, a inseriu no Conselho da Seccional potiguar.

Lá, ela tocou um projeto de agentes de prerrogativas – o que representava a possibilidade de advogados que vivessem constrangimentos em trabalho ou que imaginassem que pudessem ser submetidos a algo do tipo chamassem um advogado qualificado pelo projeto para acompanhar esse tema em específico.

“Esse foi um projeto que a gente começou aqui em razão da dificuldade que eu estava vendo (na área criminal) e que era um desestímulo também para muitos advogados estarem nessa área, por essas violações de agente públicos em presídios, fóruns, delegacias. E eu via também que eram dificuldades, sobretudo com relação às mulheres. Era demais. Eu tive até casos pessoais de revistas para entrar no presídio. E isso gerou muito descontentamento, quando advogadas passam por essa situação vexatória”, diz.

Em razão dessa atuação no Conselho Estadual, na outra gestão ela foi chamada a fazer parte da diretoria da OAB do Rio Grande do Norte, quando exerceu a função de corregedora e secretária-geral adjunta do estado. Nessa época, Milena trabalhou muito com processos éticos e foi capaz de reduzir consideravelmente o índice de prescrições e de nulidades, realizando uma organização interna dos procedimentos, o que ela busca como horizonte também para o Conselho Federal.

“Advocacia sem Assédio”
Milena Gama é uma entusiasta da campanha “Advocacia sem Assédio”, lançada pela OAB para conscientização, prevenção e enfrentamento ao assédio moral e sexual no universo jurídico – e que vai ter uma vertente de educação, bem como um canal de denúncias. No evento de lançamento, ela afirmou que mais espaços deverão ser criados para aprofundamento do tema.

“A campanha é visionária. Deve ser falada, lembrada todos os meses do ano. Eu disse à Cristiane (a presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, Cristiane Damasceno) para colocarmos o mês de março apenas como o início. E postergar isso, porque a lembrança com relação à questão do assédio tem que ser diuturna. O advogado precisa ter consciência, e a advogada precisa ter um ambiente saudável de trabalho para que ela desempenhe sua função de uma forma saudável. Quando eu falei que precisa de aprofundamento, é questão de tempo. Todos os dias, todos os anos, tem que seguir”, enfatiza.

“Mas o trabalho do início da trajetória no Sistema OAB também seguirá firme e, eventualmente, unindo os dois temas. A minha área não tem apenas a parte da corregedoria. Eu fico também responsável pela Coordenação Nacional de Fiscalização e eu tenho algumas ideias com relação à fiscalização e o trabalho voltado para as mulheres, que ainda vou aprimorar”, adianta.

Sobre a temática da ética e disciplina, é por meio dela que Milena Gama entende ser possível ampliar a valorização da profissão. “Essa valorização parte efetivamente das prerrogativas fortes e de uma ética atuante. A nossa corregedoria vai tentar durante esse triênio, tentar e concretizar, estar focada em orientação dos profissionais e na qualificação dos nossos procedimentos”, diz.

Uma das preocupações é quanto à prescrição, que deixa insatisfeitos o advogado que desejaria fazer a defesa do caso em que foi envolvido, mas não pode se defender plenamente, e o representante que quis que aquela causa desse resultado e, no entanto, viu uma impunidade.

Com base nessa apreensão, o plano é contribuir para a qualificação dos julgadores para reduzir as nulidades, retrocessos e prescrições. O trabalho de capacitação começou no Mato Grosso e vai percorrer todos os estados do Brasil.

“E, fora isso, a gente vai também iniciar um outro programa, de aprimoramento, que é um estudo das questões mais sensíveis do Tribunal de Ética. Tudo com a finalidade de não cometermos erros no processo ético. É o projeto orientativo da ética. E a vertente dessa gestão é focar em orientação. Aí, a partir do momento em que a gente consegue chegar ao advogado e instruí-lo sobre a ética profissional, a gente consegue da raiz cortar o mal”, conclui Milena.

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