A OAB tem em seus pilares a defesa dos direitos culturais constitucionais, conforme asseguram os direitos e garantias fundamentais esculpidos no artigo 5º, IX, combinado com os artigos 215, 216 e 216-A, todos da Constituição Federal.
Com isso em mente, a Comissão de Direitos Autorais e a Comissão de Cultura e Arte, do Conselho Federal da OAB manifestam extrema preocupação com a publicação da Portaria n. 124, de 04 de março de 2021, da Secretaria Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, da Secretaria Especial de Cultura – Ministério do Turismo.
A Portaria é ilegal e contraproducente, contribuindo com o acelerado processo de desmonte do setor cultural do País. Ilegal, porque a análise é uma etapa de um processo administrativo regulado – que não prevê essa hipótese de interrupção na prestação do serviço público – e indica uma espécie de “filtro” capaz de inviabilizar grande parte das manifestações culturais.
Contraproducente, porque compromete a estratégia de captação de recursos entre os patrocinadores, levando à mingua milhares de produtores culturais. Além disso, as medidas restritivas de controle à propagação do coronavírus são temporárias e em nada afetam a análise dos projetos, cujo represamento já atingiu níveis insuportáveis em um processo anterior à pandemia.
A interrupção das análises e publicações dos projetos culturais, que “envolvam interação presencial com o público”, supostamente em razão do descontrole sanitário que passa o País com a pandemia do Covid-19, revela desconhecimento da lei e desinteresse dos órgãos federais com o setor que deveriam proteger.
Inoportuna, portanto, a Portaria 124, que trará graves reflexos para um setor que, além de fundamental para o exercício da cidadania é economicamente relevante, pois responde por cerca de 4% do PIB e gera milhões de empregos, diretos e indiretos, dependentes dessas políticas de fomento.
O setor cultural vem sofrendo doloroso impacto com a pandemia e tem tentado se reinventar, apesar da virtual paralisação das políticas públicas na área e do descaso do governo federal. Ademais, a Portaria 124, gestada em um órgão de fomento do governo central levanta questões de improbidade administrativa que não podem ser ignoradas.
Lamentavelmente, a medida revela a reiterada hostilidade em face da produção cultural brasileira, marca da própria identidade nacional. Políticas de incentivo à arte são conquistas civilizatórias das quais não abrem mão países que almejam o prestígio internacional e comungam dos valores comuns às sociedades livres e democráticas. Ao agir dessa forma, o governo brasileiro se afasta do projeto de nação insculpido em nossa Constituição e agrava seu isolamento perante a comunidade internacional.
A OAB e as comissões abaixo subscritas repudiam a Portaria 124 e se insurgirão contra atos voltados ao desmantelamento do setor cultural. A Cultura é um valor constitucional e um direito fundamental.
Brasília, 08 de março de 2021.
Felipe de Santa Cruz Oliveira Scaletsky
Presidente do Conselho Federal da OAB
Comissão Especial de Direitos Autorais
Comissão Especial de Cultura e Arte