Superior Tribunal de Justia – O Tribunal da Cidadania

Cinge-se a controvérsia a definir a obrigação de o ex-empregador em manter, com base na proteção da confiança (supressio), o plano de saúde
oferecido ao ex-empregado, transcorridos mais de 10 anos do rompimento do vínculo empregatício.

Com efeito, não se nega que o art. 30, § 1º, da Lei n. 9.656/1998 permite
que o ex-empregado demitido e seu grupo familiar se mantenham no plano de saúde coletivo empresarial, após o rompimento do vínculo empregatício, pelo período de um terço do tempo de permanência como
beneficiários, com um mínimo assegurado de seis meses e um máximo de vinte e quatro meses.

Há, no entanto, uma circunstância relevante na hipótese, o empregado
e sua esposa permaneceram, depois da demissão do primeiro, vinculados ao mesmo plano, nas mesmas condições, por mais dez anos, tendo, apenas, assumido o custeio integral do serviço, circunstância que, segundo o Tribunal
de origem, é apta “a despertar no autor a confiança legítima na manutenção vitalícia do benefício”. O desate da controvérsia exige, portanto, a análise desse cenário à luz da
chamada responsabilidade pela confiança.

Confiança, a propósito, é, na lição doutrinária, “a face subjetiva do princípio da boa-fé”;
“é a legítima expectativa que resulta de uma relação jurídica fundada na boa-fé”; e, por isso, segundo a doutrina, “frustração é o sentimento que ocupa o lugar de uma expectativa não
satisfeita”.

A responsabilidade pela confiança constitui, portanto, uma das vertentes da boa-fé objetiva, enquanto princípio limitador do exercício dos direitos subjetivos,
e coíbe o exercício abusivo do direito, o qual, no particular, se revela como uma espécie de não-exercício abusivo do direito, de que é exemplo a supressio. A supressio, por usa vez, indica a
possibilidade de se considerar suprimida determinada obrigação contratual na hipótese em que o não exercício do direito correspondente, pelo credor, gerar no devedor a legítima expectativa de que esse não
exercício se prorrogará no tempo.

Implica, assim, a redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da
execução do contrato, em exercer determinado direito ou faculdade, criando para a outra a percepção válida e plausível – a ser apurada casuisticamente – de ter havido a renúncia àquela
prerrogativa.

Convém ressaltar, nessa toada, que o abuso do direito – aqui caracterizado pela supressio – é qualificado pelo legislador como espécie de ato
ilícito (art. 187 do CC/2002), no qual, em verdade, não há desrespeito à regra de comportamento extraída da lei, mas à sua valoração; o agente atua conforme a legalidade estrita, mas ofende o
elemento teleológico que a sustenta, descurando do dever ético que confere a adequação de sua conduta ao ordenamento jurídico.

Sob essa ótica, verifica-se que
o ex-empregado e sua esposa se mantiveram vinculados ao contrato de plano de saúde por 10 anos, superando – e muito – o prazo legal que autorizava a sua exclusão, o que, evidentemente, despertou naqueles a justa expectativa de
que não perderiam o benefício oferecido pelo ex-empregador.

E, de fato, o exercício reiterado dessa liberalidade, consolidado pelo decurso prolongado do tempo, é
circunstância apta a criar a confiança na renúncia do direito de excluir o ex-empregado e seu grupo familiar do contrato de plano de saúde, de tal modo que, esse exercício agora, quando já passados 10 anos, e
quando os beneficiários já contavam com idade avançada, gera uma situação de desequilíbrio inadmissível entre as partes, que se traduz no indesejado sentimento de frustação. Diante desse
panorama, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a exclusão do ex-empregado e sua esposa do plano de saúde coletivo empresarial.

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